Em uma tarde de sol fraco, nestes domingos sessentistas, jovens e velhos acorriam aquele canto aberto no centro citadino para ar uma tarde ao sabor da brisa vespertina. Eu falo daquele lugar com bancos de madeira, um pavimento de pedras e uma estátua de alguém importante mas, talvez, insignificante para mentes contaminadas pelo lazer sagrado antes da labuta semanal.
Alguns levavam o cachorrinho para um animado eio, outros se perdiam sentados em seus livros. Os almofadinhas faziam panca tentando atrair a atenção das moçoilas distraídas enquanto os velhos riam das prosas aleatórias ou se confrontavam na mesa de gamão. Os pais seguravam a criança pelas mãos que, teimosamente, bate os pés alegre, serelepe por ver tanta gente diferente. Tanta gente que, num movimento só, esvazia aquele lugar quando a noite chegava e deixa espaço a penumbra, os mistérios e a ânsia do dia seguinte.
A praça, longe daquela musica de Ronnie Von, tem um certo soar poético na memória de muita gente. O recorte que fiz, notadamente, não se repetiria com os mesmos elementos nos dias de hoje. Sobretudo cercada pela correria e pelas tensões diárias. A praça ainda é, claro, o ponto de convergência social mais famoso de qualquer cidade, e como tal, a praça também tem ficado jovem, ou pelo menos procurado ser para se adaptar a tempos de selfies nas redes e papos descompromissados com comida, alguma bebida e nenhum motivo para acelerar a vida corrida.
Exemplo melhor desta metamorfose urbana talvez seja o que Blumenau vive neste período de reformas em que estão as quatro principais praças da região central da cidade. Ante perdida na falta de ações efetivas de conservação e ocupação permanente, uma praça nos dias de hoje tem que oferecer bem mais do que bancos, árvores e um parquinho, mas vestir-se de jovial para, justamente, ser o point do momento, o ponto de encontro de uns com outros, o reflexo de um lazer, se não “gourmetizado”, ao menos atualizado e presente.
E nas andanças pela clássica rua da linguiça, a velha Praça Dr. Blumenau é este perfeito exemplo, ainda mais depois de entregue em sua nova e moderna forma que tem chamado atenção pelo brilho novo que ganhou. Um local que, antes, poderia ar insignificante, quase que preto-e-branco, quando se recorda da sujeira, abandono e vazio existencial do que tinha, meramente, se tornado uma agem pública.
Ela está repaginada, pujando vida exalando um aroma urbano e moderno. A velha praça revive tempos de glórias adas enquanto os frequentadores – jovens ocupados, almas descontraídas e casais enamorados – esperam seu pedido nos bancos e mesas do bar da cerveja Patagônia, o primeiro ponto da marca argentina fora de uma capital. E em se falando de ado, aquela esquina tem e muito para contar, de bom e de amargo.
Testemunha ocular de histórias e enchentes
A Praça Dr. Blumenau surgiu em agosto de 1949, um ano antes do centenário mas já como um ponto de reverencia ao fundador da cidade. Muitas vezes, confunde-se este espaço com a Praça Hercílio Luz (Biergarten), por ter sido ali o local onde esteve, por anos, a estátua de Hermann, que mudou de lugar por várias vezes (incluindo a própria praça) até acabar ao lado do Mausoléu, como está até hoje.
A família Werner foi responsável por doar o terreno onde foi construída a praça depois das obras de canalização do Ribeirão Bom Retiro, que deixou um espaço vago e sem uso na Rua XV. Imível aos acontecimentos que abrigou, nas tardes do footing e dos encontros nos fins de semana, a praça seria testemunha ocular de um sem-número de eventos históricos, além de beber a contra gosto a água barrenta e lodosa do Itajaí-Açu em cada enchente até então.
Por ali, figuras proeminentes da política discursaram alto em tempos de visita ou eleições. No pequeno coreto que lá havia, ouviu-se o som de bandas típicas, peças teatrais e os versos de Lindolf Bell, imerso na sua catequese poética e que escolhera o espaço como sua sala de aula. Nas enchentes, o pico das águas a fazia ser parte do leito do rio e desaparecer abaixo dele e, entre tantos visitantes ilustres a vizinhança com a PRC-4 em áureos tempos até o abrigo de figuras do cotidiano: do pastor que pregava solitário a simpática baiana, com seus acarajés e seus versos guardados na mente enluarada.
Em 2001, a última grande reforma, onde ergueu-se um mosaico de cacos de piso e azulejos criado elo artista Antônio Rozicki e que retratava o fundador e elementos da memória blumenauense. Um monumento justo para um local com tantas memórias próprias, mas que depois de tanto, fora as intervenções sociais que lá aconteciam, a praça parecia combalida, fadada a ser uma agem, ponto de partida de uns e parada de outros, o destino de tantos espaços semelhantes que Blumenau tem (e que ainda aguardam seu renascimento).
Contemplar o novo momento da Praça Dr. Blumenau é escrever também uma linha nesta história longa de idas, vindas, vozes, musicas, poesias e personagens. Diante de um visual jovem e moderno, ainda escondem-se elos de uma velha esquina que já viu e ouviu tudo que a cidade que a abriga poderia lhe contar, seja da comunidade como um todo como a voz de cada um que lá ou, ficou ou seguiu, deixando uma memória preciosa para a vida de qualquer transeunte apressado.
A Praça Dr. Blumenau respira memórias entre os aromas dos pratos da Patagônia. No maibaum erguido próximo da esquina, talvez o reflexo dessa vida de testemunha de nossa história: os municípios do Vale (Médio e Alto) nascidos do desmembramento da cidade ali estão representados, um a um com seus brasões e histórias particulares. Outra peça de memória para um canto cheio de memórias, atualizado, jovem, mas ainda assim clássico e convidativo a aquilo que nunca deve faltar nesta vida tão corrida: o convívio social, o abraço de todo dia.
Enfim, é isso ai! Qualquer dia, a gente se encontra na praça. Afinal, as melhores histórias de um dia se contam lá.
André Luiz Bonomini (o Boina), “filho do Progresso, Reino do Garcia”. Jornalista graduado pela Unisociesc, atua desde 2013 no mundo da notícia. Apaixonado por história e poeta “de fim de semana”, teve agens no rádio pela 98FM (Massaranduba), Radio Clube de Blumenau, PG2 (Timbó) e atua como programador musical da União FM (96.5), de Blumenau. Boina também é “escritor de fim de semana”, blogueiro e colunista.
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