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História: Chapéu não está na moda (nem a história), por André Bonomini

Faz tempo que chapéu não está mais na moda, e as vezes penso que qualquer coisa na cabeça não é mais tendência. Eu digo isso pela minha própria boina, até porque ter um estilo próprio, hoje, é um desafio a várias convenções que a sociedade diz ser “padrão”. Pobres mortais, cópias uns dos outros.

Chapéu, que em tempos áureos era ório sagrado na cabeça de homens e mulheres (sim, mulheres!) não apenas para proteger a cabeça dos efeitos do sol ou dos respingos aleatórios da água que vem do alto. Não importasse o modelo e pompa, ter um chapéu era um ponto de elegância, de estilo próprio, ser o “diferente” nesta terra de iguais que mal sabem usar um boné nos nossos dias.

Mas o chapéu não está mais na moda, e a história também não. A recente notícia de que foi autorizada a demolição da fachada em arcos da antiga Fábrica de Chapéus Nelsa é só mais um dentre alguns golpes duros que nossa preservação histórica e arquitetônica sofre em algum tempo. As discussões sobre a construção da Havan no centro histórico ainda estão mornas depois do fogo e mais este golpe faz suspirar fundo.

A Fábrica de Chapéus Nelsa em seu auge. Tempos em que um chapéu era moda, elegância, presença constante em cabeças enluaradas em cada esquina da cidade | Foto: Antigamente em Blumenau

A obra nascida da mente criativa de Simon Gramlich é apenas uma entre tantas que o arquiteto alemão criou em nossa região e que poucos conhecem. Resistiu bem ao tempo, transcendendo entre a moda e a imprensa quando abrigou, ali, a primeira sede do Jornal de Santa Catarina, no distante 1971, imprimindo nas rotativas que lá ecoavam fatos e fotos de dias e dias da região, do estado e do país.

Mas em 2019, o golpe do fogo foi violento. Atrás dos arcos de Gramlich, o prédio histórico se foi por completo em chamas que duraram cinco longas horas para serem debeladas, restando apenas a obra icônica, a mercê de custos, burocracias até o golpe final: a aprovação do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural Edificado (Cope) na última quarta-feira (30), dependendo apenas de lances burocráticos para reduzir a obra a pó.

Claro, aqui não cabe questionar motivos de segurança e tudo mais, até compreensíveis, mas novamente a história se vai, se transfigura lentamente apagando um traço do ado que, até certo tempo, convivia plenamente com o corre-corre do dia blumenauense. Tal como era o corre-corre até calmo e um tanto idílico da época de sua glória: 1925, antes ainda dos arcos, quando ali nascia uma reconhecida fábrica de chapéus, no tempo que o chapéu, como disse, era moda.

Nelsa: sinônimo de chapéu

A Fábrica de Chapéus Nelsa, antes ainda do nome que a tornou conhecida, surgiu naquele ano por iniciativa de Rudolf Clasen e Hermann Weege, ainda denominada “Clasen & Weege”. A primeira sede ainda era em uma estrutura próxima das oficinas da Estrada de Ferro Santa Catarina (EFSC) e do casarão Salinger, onde permaneceram durante seis anos até a mudança para as instalações na Rua São Paulo, depois de algumas mudanças societárias.

Publicidade da Nelsa, já com o chapeleiro Rudolf Leder como um dos sócios, ao lado de Friedrich Karl Kurt Lischke | Foto: Antigamente em Blumenau

Entre os especialistas da fábrica estava o chapeleiro Rudolf Leder, que veio de Limeira, no interior de São Paulo, junto da mulher, frau Erna, para exercer o ofício na cidade. O nome “Nelsa” vem da junção do nome da filha de Rudolf, Elsa, com a letra N, inicial de Ninete, nome da filha de um dos antigos sócios da firma, conhecido apenas como Olinger.

De começo modesto, a Nelsa ganhou prestigio, sobretudo numa época onde sair de casa com um vistoso chapéu era sinônimo de elegância em qualquer época. Era um método quase artesanal de confecção onde, no princípio, Frau Erna contava com a ajuda de quatro a cinco moças que eram responsáveis pelo acabamento dos vários modelos de chapéus. Um forro de seda, uma carneira de couro, um laço e uma fita em seda pura no lado externo, detalhes minuciosos que transformavam-no numa peça valiosa e fina para aqueles tempos.

Costureiras da Nelsa, em seu posto de trabalho e entre os chapéus que produziam | Foto: Patrícia Schwanke / Antigamente em Blumenau
O quadro de funcionários da Nelsa, já bem maior e nas novas instalações da firma. Os tempos mudavam | Foto: Arquivo Histórico

Em 1931, acompanhando o crescimento do negócio, a fábrica ou a ocupar o espaço em que ficou conhecida, na Rua São Paulo. Os arcos de Gramlich, em estilo “art decó” só viriam na década de 1940, quando aquela pequena manufatura artesanal já era uma pequena empresa com vários funcionários e uma gama de produtos que não comportava apenas chapéus, mas boinas e ombreiras de lã.

Os tempos foram ando, ainda pediam que homens e mulheres protegessem os cabelos do sol forte ou aquecessem a mente do frio rigoroso com um adorno na cabeça. O chapéu era via de regra em rodas elegantes, escritórios, nas ruas das cidades, posicionado na cabeça de empresários, funcionários, gaiatos, damas, cavalheiros, tantos quantos. Mas de lá até os anos 1960, seriam apenas mais alguns anos até que a Nelsa, sentiria o golpe dos modismos: desapareceria em 1965, quando o chapéu já não era mais unanimidade na cuca de muita gente.

Um raríssimo chapéu Nelsa, preservado na embalagem original. Uma relíquia que só encontra lugar em um recorte no ado | Foto: Reprodução / Adalberto Day

Cabelos longos da juventude ou bem cortados dos homens feitos eram o que havia e as peças fabricadas pela velha fábrica aram de artigos concorridos a verdadeiras relíquias, cada um contando sua história e guardando as marcas do dia-a-dia, tal como os mesmos arcos inventados pela mente de Gramlich, antes sinônimo de imponência e que, hoje, esperam a sua derrubada para serem, tão somente, um vulto na mente de muita gente, assim como o velho chapéu que não tem mais morada, é um recorte vazio, meio mofado e guardado num canto de qualquer armário.

Talvez ainda caberia contar mais do casario e de seus arcos, resgatando nesta mesma viagem sem moda as memórias de jornalistas que lá enveredaram nos tempos de Jornal de Santa Catarina. Mas entre os vários relatos recebidos por este escriba, percebi que merecem outras linhas pelo tamanho e emoção de depoimentos de alguns ilustres ex-funcionários do periódico que ocupou aquele mesmo local entre 1971 e meados dos anos 2000. Eles pedem outro momento, é muito peso para tanto por agora.

Foi-se o casario, ficaram os arcos, aguardando a demolição. A história, como a moda, se vai | Foto: Marcos Fernandes / Portal Alexandre José

Por hora, fica a reflexão dura de que a história, como o chapéu, não é uma moda corriqueira, isto pelo menos na visão dos comuns da sociedade. Nossa história não é um simples ponto em forma de notícia, trata-se de uma forma um tanto poética, dentro do jornalismo, de se contar e preservar permanentemente recortes e momentos que uma cidade como Blumenau já viveu. Eles constroem a reflexão do presente, a curiosidade, chamam para o futuro, mesmo que não pareçam o fazer.

Mas ela tem ado, caído e tombado, tal como o vento que derruba o chapéu teimoso da cabeça de um saudoso para dizer que “não esta mais na moda”, que o tempo ou demais para pensar nele sem que se pense em algo mais. Uma pena, o chapéu não é mais moda, e a Nelsa sumirá de vez, como seus arcos, seus chapéus estimados e sua história, que também por hoje, não está mais na moda.

Texto escrito por ANDRÉ BONOMINI

André Luiz Bonomini (o Boina), “filho do Progresso, Reino do Garcia”. Jornalista graduado pela Unisociesc, atua desde 2013 no mundo da notícia. Apaixonado por história e poeta “de fim de semana”, teve agens no rádio pela 98FM (Massaranduba), Radio Clube de Blumenau, PG2 (Timbó) e atua como programador musical da União FM (96.5), de Blumenau. Boina também é “escritor de fim de semana”, blogueiro e colunista.

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